E lá estava eu, de pé no meio daquele santuário que ela
insistia em macular com um pecado que tinha sido tirado de um maço quase
intacto. Um maço de pecados que ela prometeu não tocar mais.
Aquele era o meu lugar, a minha casa. Ela não tinha o
direito de sujar a minha inocência e não o tinha feito até então. Mas enquanto
eu a olhava brincar com a fumaça insistindo em me ignorar, eu pude ver que ela
estava tão perdida quanto eu.
Eu não estava acostumada com aquilo.
Ela sempre cuidou de mim. Quando as amizades dela tiraram os
meus amores, quando os meus amores tiraram as amizades dela. Ela sempre cuidou
de mim.
Mas e agora, que nos tiraram a nossa alma gêmea?
Eu continuava a olhar para ela, em busca de respostas.
Esperando que ela me dissesse que tudo ficaria bem. Mas a única coisa que ela
continuava a fazer era me ignorar (e brincar com a fumaça) e o desespero
começou a me ameaçar.
Olhei em volta, tentando em vão engolir o nó na garganta e
consegui sua atenção. Olhou pra mim e eu me calei. Nos encaramos em silêncio, e
ainda nos encarávamos quando o pecado se transformou em apenas um amontoado de
cinzas.
Então ela se levantou. Me pegou pela mão. Entramos no meu
santuário.
Na geladeira, o meu próprio estoque de pecados. Pecados que
me custam uma briga com a balança desde a adolescência. E então foi a vez
dela me assistir pecar. Só algumas boas calorias mais tarde, ela voltou a me conduzir.
O banho frio foi muito bem vindo. Levou o peso da culpa.
Deixou a insegurança.
O que nós tinhamos acabado de perder não era uma amizade ordinária, mas também não tinha a malícia que envolve os outros sentimentos. Exatamente o tipo de coisa que o ser humano, envenenado pela serpente,
não consegue entender.
Quando você acha outra cabeça sua em um corpo distinto, é
fácil se apegar. Afinal de contas, é você. Você se conhece, não? E se não conhecer,
olhando de fora é com certeza muito mais fácil de se fazer.
Eu sabia que ia acontecer. Mais cedo ou mais tarde, ia
acontecer.
Ela me avisou quando começou... E está me avisando agora que
a solidão intelectual vai voltar a machucar, com o dobro da força que machucava
antes.
Ela me avisou que ia acontecer... E ela tinha razão. Ela
sempre tem razão.
Ela. Eu. Nós.
Storm. Menina sem nome. Larissa.
Acho que é hora de deixa-la tomar conta das coisas por um
tempo.